A Água e o Caranguejo
Quando o Sol ingressa em Caranguejo temos a chegada do Verão. Sendo a primeira água do zodíaco, este signo simboliza o despontar das emoções e é desta forma que o espírito se liga completamente à matéria, através do vínculo emocional.
Caranguejo é o último dos signos pessoais e representa a etapa final na construção da personalidade, onde tem origem o corpo emocional.
Se em Gémeos a mente nos permite produzir informação acerca da experiência, é o corpo emocional que nos vincula a essa informação através de uma qualidade subjectiva – o sentimento.
A etapa de Caranguejo é um momento crítico no percurso zodiacal. A partir do grau zero de Carneiro até ao grau zero de Caranguejo percorremos noventa graus, formando aquilo que em Astrologia se chama uma quadratura (derivada da divisão do círculo em quatro), um aspecto de grande tensão dinâmica. É uma fase crítica, pois é aqui, no colo das águas de Caranguejo, que a encarnação se consuma e o parto acontece. Recordo o filme “City of Angels” (1998) em que um anjo se torna humano e encarna ao ligar-se emocionalmente a uma mulher – o espírito “cai” definitivamente na matéria, mas ingressa num novo caminho de consciência pelo despertar dos sentimentos.
Caranguejo está assim profundamente associado ao mistério do nascimento. Se pensarmos simbolicamente no cordão umbilical, é ele que nos liga à mãe, é através dele que somos nutridos. Da mesma forma, é a capacidade emocional que se estabelece em Caranguejo, que nos liga às nossas origens, ao passado das nossas experiências, das nossas vivências anteriores, constituindo uma memória individual.
Assim, é a introdução do elemento água no processo de desenvolvimento que possibilita o registo biográfico da experiência individual. Sem ela não poderia existir continuidade, não haveria crescimento ou evolução, nem seria possível a criação de uma identidade própria e única – precisamente o que o signo seguinte, Leão, representa.
E se é nestas águas primordiais de Caranguejo que estabelecemos a ligação emocional à existência, é depois no oceano de Peixes que dissolvemos este vínculo individual à memória das nossas experiências, entregando-as totalmente ao arquivo colectivo e abdicando da identidade pessoal para mergulharmos uma vez mais na unidade transcendente.
O regente de Caranguejo é a Lua. Nela vemos reflectida a luz do Sol de forma mutável e periódica. O seu ciclo simboliza o processo de crescimento em si, dividindo em quatro fases: absorção, expansão, assimilação e libertação. Começando na Lua Nova, assistimos progressivamente a um incremento de luz e aumento de forma até ao culminar da Lua Cheia, e depois verificamos o movimento inverso.
Como nos descreve Rudhyar (1967) no seu livro “O ciclo de Lunação”, este é o processo inato de desenvolvimento da consciência. Sendo que o Sol representa o poder criativo total da consciência, este não pode ser por nós directamente abordado de forma natural. É através do seu reflexo, no espelho lunar, que podemos progressivamente conhecer a sua potência, ciclicamente, deixando-nos impregnar e fecundar pela experiência, absorvendo-a como parte de nós, sentindo-a por dentro, assimilando a sua qualidade subjectiva para de seguida nos esvaziarmos, libertando todo o excedente do processo. Tal como uma esponja, que mergulhamos na água e em seguida esprememos para conservar apenas a humidade funcional, também a cada ciclo lunar vamos incorporando em nós a luz da consciência na medida certa em que estamos naturalmente preparados para a assimilar.
E é em Caranguejo que nos comprometemos definitivamente com este processo de crescimento através da relação com o exterior. Sem a água, que surge em Caranguejo, não poderia existir um reconhecimento do outro, nem de nós próprios como indivíduos autónomos.
Como anteriormente falei, esta etapa de Caranguejo representa um ponto de extrema delicadeza no percurso da existência. A aprendizagem dos processos do sentir e o estabelecimento da ligação emocional umbilical, leva-nos necessariamente a experienciar a dependência e a frágil vulnerabilidade que a condição de separatividade implica, necessitando de constante alimento para sustentarmos a nossa existência.
É aqui que podem surgir feridas bem profundas, que talvez só poderemos libertar no fim da nossa história pessoal, pois são elas que nos fazem entender o valor e a necessidade de cuidar e proteger.
A água de Caranguejo obriga-nos a abrir e a fluir, a carecer e a alimentar, a receber e a dar…
Jorge Lancinha
21 Junho 2012